domingo, 17 de novembro de 2013

Eu sei, mas não devia - Marina Colasanti

Recebi essa texto do Fernando, amigo de muitos anos que já mandou muita coisa bacana, essa   escritora Marina Colasanti, eu não conhecia e me surpreendi pela minha ignorância, vale a pena ler.. Compartilho com  todos.

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.


A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.



A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.



A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.



A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. 



A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.



A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.



A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.



A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.



A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.



(1972)



Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.


Conteúdo de propriedade da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura).

sábado, 9 de novembro de 2013

Desespero por estar sozinha

Comentando o “Se eu fosse você''

A questão da semana é o caso de Mariana, que está desesperada por ter sido abandonada pelo marido e pela crença de que não saberá viver sozinha.
A história dela é igual a de muitas pessoas que, ao encontrar um parceiro, o transformam em única fonte de interesse. A questão é que no Ocidente somos incentivados, desde muito cedo, a acreditar que só é possível ser feliz se tivermos alguém ao nosso lado. Da mesma forma como a criança pequena se desespera com a ausência da mãe, o adulto, ao perder o objeto de amor, é invadido por uma sensação de falta e de solidão.
Além disso, quando fracassa um projeto amoroso, a pessoa perde o referencial na vida e sua autoestima fica abalada. Entretanto, se as crianças fossem ensinadas a enxergar as coisas como elas são, quando ficassem adultas saberiam que, na maior parte das vezes, as relações amorosas duram apenas um tempo, sem significar fracasso de alguma das partes.
Nem sempre o parceiro satisfaz ou preenche as necessidades afetivas e sexuais do outro, mas isso não é levado em conta. A separação é dolorosa porque impõe o rompimento com a fantasia do par amoroso idealizado, além de abalar a autoestima e exacerbar as inseguranças pessoais. A ideia de felicidade através do amor no casamento influi diretamente na intensidade da dor na separação.
A crença de que o casamento é o único meio de realização amorosa e de que é possível uma complementação total entre duas pessoas, é um equívoco extremamente nocivo. Favorece a simbiose, sobrecarregando marido e mulher como depositários das projeções e exigências afetivas do outro. Sem contar que o ressentimento e o ódio na separação são causados pela constatação de que, ao ir embora, o parceiro frustrou essa expectativa de complementação.
Tudo poderia ser bem diferente. A questão é que, em quase todos os casamentos, as pessoas abrem mão da liberdade, da independência — incluindo aí amigos e interesses pessoais — e por isso se tornam frágeis em caso de ruptura.
Alguns se desesperam durante e após a separação. Podem apresentar um quadro de profunda depressão e em casos extremos até tentar suicídio. Mas, ao contrário do que possa parecer, isso não significa necessariamente que havia um grande amor.
É comum, nesses casos, o outro nem significar tanto, mas sua falta ser sentida de forma dramática por reeditar vivências de perdas anteriores. Não se chora somente a separação daquele momento, mas também todas as situações de desamparo vividas algum dia e que ficaram inconscientes.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Lutar contra a velhice a todo custo é um problema emocional, não físico


Símbolo máximo de elegância, a estilista francesa Coco Chanel, uma das maiores revolucionárias da moda, já dizia no início do século passado: "A natureza lhe dá o rosto que você tem aos 20. A vida talha o rosto que você tem aos 30. Mas depende de você merecer o rosto dos 50".


A frase, porém, foi dita em uma época em que as cirurgias plásticas parceladas em 24 vezes e os tratamentos a laser nem existiam. Hoje em dia, menos conformadas e mais vaidosas, há mulheres que relutam em aceitar os sinais de envelhecimento, procurando clínicas estéticas logo que notam o aparecimento das primeiras rugas.



Que a vaidade na medida certa é saudável, não há cirurgião plástico ou dermatologista que discorde. O problema acontece quando a busca pela juventude se transforma em obsessão, colocando em risco o equilíbrio emocional, a aparência física e, principalmente, a saúde.



"Todos podem melhorar algo: preencher uma ruga, esticar uma papada, atenuar as olheiras. Porém, tudo em excesso deixa de ser natural e harmonioso", diz a médica Eliane Hwang, especialista em cirurgia plástica pela SBCP (Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica) e membro do corpo clínico do Hospital São Paulo, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).



"A cirurgia plástica bem indicada e bem executada não é aquela em que se nota que um procedimento foi realizado, e, sim, a que deixa a paciente com um aspecto saudável, natural e de proporções estéticas adequadas à idade", afirma.


Ultrapassando os limites

Mas como descobrir que a busca pela juventude está se transformando em obsessão? Há vários sinais de alerta, diz Eliane Hwang. A partir do momento em que a pessoa perde a fisionomia original, significa que os limites do aceitável foram ultrapassados.
O mesmo acontece quando a paciente deixa a vida social, familiar e profissional em segundo plano, para se dedicar a planejar uma nova cirurgia ou procedimento. Ou quando não respeita a opinião do cirurgião plástico ou do dermatologista, insistindo em procedimentos ou cirurgias não indicados pelos especialistas.


Para a cirurgiã plástica Maria Carolina Coutinho, membro da SBCP, há mulheres que estão eternamente insatisfeitas com a aparência, sempre encontrando novos defeitos.

"É aquela pessoa que traz uma foto de artista e diz que quer ter aquele nariz, aquela boca, aquela sobrancelha. E não entende, quando explicamos, que é impossível reproduzir uma característica de uma pessoa em outra, e que determinadas formas ficam harmoniosas em um rosto, mas em outro, não", afirma a cirurgiã. 

Consequência dos exageros

A insistência em realizar cirurgias ou procedimentos não recomendados pelos médicos podem trazer consequências desastrosas.  A aplicação em excesso da toxina botulínica, por exemplo, pode deixar as sobrancelhas com o formato de triângulo, dando um aspecto "diabólico" às pessoas, diz a dermatologista Denise Lage, membro da Academia Brasileira de Dermatologia. Os lábios com excesso de preenchimento ficam como se fossem um "bico de pato", segundo a especialista. O preenchimento exagerado em bochechas, por sua vez, deixam as pacientes com aspecto de excesso de peso.


"Além disso, os colegas cirurgiões plásticos estão acostumados com pedidos de implantes de silicone exagerados, que podem causar distensão inadequada da pele e sérios problemas de coluna", diz a dermatologista.

O profissional também tem sua parcela de responsabilidade ao incentivar –ou ser conivente– com os exageros. O bom cirurgião plástico é aquele que se recusa a executar um procedimento que cause deformidade ao paciente, não importando quanto deixe de ganhar de honorários, fala a cirurgiã plástica Maria Carolina Coutinho.


"O paciente não tem a conhecimento técnico para saber quando ele próprio está ultrapassando os limites do razoável. Somente o cirurgião pode prever como será o resultado do procedimento solicitado", afirma.


Motivações que levam aos excessos



Há vários fatores que levam a atitudes extremas para manter o aspecto jovem. Para Denise Lage, a busca pela eterna juventude está ligada tanto à vaidade quanto à baixa autoestima. "Muitas pacientes não querem aceitar as marcas do tempo e procuram incessantemente por exageros estéticos", diz ela. Mas também é verdade, acrescenta a dermatologista, que ao se cuidar da beleza a autoestima tende a aumentar, o que acaba ajudando nos relacionamentos pessoais.

"Tenho muitas pacientes que começaram a namorar ou progrediram na carreira depois de se cuidarem mais, já que ficaram mais bonitas e, sem dúvida alguma, mais confiantes", conta a dermatologista.
O importante, de acordo com os especialistas, é não perder a naturalidade. "É ilusão acreditar que ter sempre uma imagem de plástico e artificial torne as mulheres mais bonitas", diz a consultora de estilo e imagem Maria Julia Costa. Mas, de acordo com ela, recorrer a métodos e tratamentos estéticos para corrigir, melhorar e atenuar os sinais de idade é, sim, recomendável, desde que seja para auxiliar na saúde no bem-estar do paciente.